dezembro 27, 2006

A Severa de Júlio Dantas - 1901

A 30 de Novembro de 1820 nasceu Maria Severa Onofriana, A Severa.Considerada a fundadora do fado, manteve uma relação com o Conde de Vimioso (Dom Francisco de Paula Portugal e Castro).

O Conde assumiu o nome de Marialva na peça de Júlio Dantas, levada à cena no então Teatro D. Amélia, agora Teatro Municipal São Luiz.

A Severa morreu com apenas 26 anos na Rua do Capelão, na Mouraria, vítima de tuberculose.





(Acto II, cenas VIII a X)

SEVERA: Se tu me deixasses? (Agarrando-se ao Conde, desesperadamente) Ah, não! Mas tu não me deixas! Tu não podes! Dize que não me deixas! Eu morria para aqui... Se quiseres, bate-me! Bate-me, mas dize que não me deixas... Dize! Nunca! (Sentindo nos cabelos um beijo do Marialva e mudando a expressão dolorosa num grande riso aberto) Ah! Meu grosseirão! Como eu te quero!
D. JOSÉ (entrando, pela porta entre-aberta, e vendo o desalinho dos móveis e o sangue do soalho): Sangue... Que foi isto?
MARIALVA: És tu? (Com serenidade) Nada. Uns malandros que eu tive de correr à navalha.
D. JOSÉ (vendo-lhe a mão ensanguentada): Feriram-te?
MARIALVA (enrolando um lenço): De raspão.
D. JOSÉ: Não tens juízo!
SEVERA (vendo o lenço empapado): Estás a escorrer sangue... (Saindo para o quarto) Vou buscar água.
D. JOSÉ (ao CONDE): Vês? Antes tivesse ido!
MARIALVA (com curiosidade): Então, que há?
D. JOSÉ (a meia-voz): Só o tempo de chegar e de falar à Marquesa. Quando lhe disse que ias mais tarde, que talvez não fosses, perdeu a cor, cerrou os dentes... Tive de a amparar. Só me disse estas palavras: «Ah! D. José! Eu sei, é uma cigana... Se é meu amigo, vá... Traga-o! Traga-o!» Depois, escreveu qualquer coisa neste lenço, e pediu-me que to trouxesse. (Dando um lenço ao Conde) As rabecas choravam, na sala amarela...
MARIALVA (desdobrando, à luz, o lenço de rendas, e lendo, escrito a lápis, na cambraia): «Venha. Amo-o...»
D. JOSÉ (com entusiasmo mal contido): Uma onda de fardas e de casacas perseguia-a... As golas altas, bordadas de palmas de oiro, brilhavam-lhe em volta... E ela, alheia a tudo, a adorar-te, a querer-te num desespero, com todo o seu sangue a suspirar por ti! E as outras, e todas!... Sabes lá! Sabes lá!
MARIALVA (correndo à Severa, que entra e põe um jarro de água sobre a mesa): Mas que me importam as outras, que me importa isso tudo, se eu tenho a Severa!
SEVERA (deixando-se abraçar, enlevada): Ah!
MARIALVA: Estes olhos que nasceram para o sol, esta boca que nasceu para o fado, estes braços que nasceram para mim! (Estreitando-a, com ternura) Que me importam as outras, se só tu és capaz de me fazer chorar!
D. JOSÉ: Quê... Não vais, decididamente?
MARIALVA (olhando a Severa): Decididamente, não vou!
SEVERA (Numa explosão de alegria): Ah! Não vai! Fica comigo! (Com orgulho) É meu! Muito meu!
D. JOSÉ (pondo a capa e o chapéu): Mas todos te esperam, cheios de entusiasmo! Não é correcto, bem vês...
MARIALVA: Pois que esperem meu velho. Eu passo aqui esta noite! (Cingindo a Severa) Severa! (Dando-lhe o lenço que o D. José trouxe) Amanhã, quando me for, lê o que diz este lenço. Guarda-o bem! (Para D. José) Tu, vai, D. José. E se te perguntarem, dize a toda a gente que o Conde de Marialva, grande do reino, depois de uma cena de facadas, passa a noite com uma cigana!
D. JOSÉ (saindo e atirando com a porta): Adeus!
SEVERA (apaixonadamente, atirando-se ao pescoço do Conde): Como tu gostas de mim! Como tu gostas de mim!
MARIALVA: Vem cá, Severa. Vera cá. Toma a guitarra. Assenta-te aí. Os dois, muito juntos, coração com coração... (A cigana senta-se-lhe aos pés, preludiando na guitarra) É destino de Portugal morrer abraçado ao fado! (Apagando a luz, com a voz cortada de comoção)
Canta... Canta... Canta...
(A Severa começa a cantar; o Conde tem lágrimas nos olhos; o pano cai, lentamente.)

dezembro 19, 2006

Tradição e Vanguarda

Depois da estreia em 2003 com Primeiro Fado e da participação no Álbum Vermelho - ao lado do mano Camané e de nomes como Cristina Branco, Argentina Santos, Mariza e Kátia Guerreiro -, Pedro Moutinho rompe o cordão fraterno e em Encontro aborda o fado tradicional com temas de Carlos e Lucília do Carmo, respectivamente Não me Conformo e A Rua do Desencanto.

Entre nove fados tradicionais, encontramos letras de António Botto, Fernando Pessoa, Manuel Alegre e António Lobo Antunes.

Anda Pacheco!

dezembro 17, 2006

Os Mensageiros do Jazz

ENCICLOPÉDIA ILUSTRADA DO JAZZ & BLUES.
Organização de Howard Mandel, com prefácio de John Scofield
Edições Afrontamento, 2006


Da escassa informação disponível em português, esta obra destaca-se naturalmente pela profundidade e riqueza das biografias de nomes maiores da história do jazz.
Vem mesmo a calhar, esta enciclopédia, nomeadamente para dinamizar o Aqui Jazz o Fado, projecto embrionário que pretende ir às origens e
casamentos destas duas forma de expressão musical...
Como gostava de ter visto o Carlos Paredes ao lado do Charlie Haden no Coliseu!





As evoluções da música popular nos séculos XX e XXI foram muitas e variadas, passando-se da utilização de instrumentos rudimentares e de estruturas melódicas simples a trabalhos mais complexos e ao recurso cada vez maior a tecnologias avançadas. No entanto, é muitas vezes possível traçar as origens da música popular ocidental a partir dos seus muitos artistas e das influências das duas correntes de música afro-americana que se desenvolveram no final do século XIX: o jazz, que saía quente do caldo urbano multicultural de Nova Orleães, e o blues, vindo das paisagens rurais desoladas do Texas e do delta do Mississipi. Estas misturas de elementos da música afro-americana com o mundo cultural e social da América pós-guerra Civil foram evoluindo gradualmente a partir das suas raizes semelhantes, vindo a constituir dois géneros musicais bastante distintos e criando bases sólidas para o surgimento de outros estilos novos.





Esta Enciclopédia proporciona um olhar profundo sobre essa música poderosa e influente, com informação detalhada sobre os artistas inovadores que ajudaram a dar forma ao jazz e ao blues à medida que os estilos foram evoluindo. Organizados por décadas, todos os capítulos abrem com um texto introdutório com a informação básica essencial. As secções «Temas & Estilos» situam a música no seu contexto cultural, histórico e social e descrevem a evolução do jazz e do blues nesse período. Seguem-se as secções biográficas sobre os «Artistas de Referência» de cada década, contendo detalhes sobre faixas emblemáticas e gravações clássicas de cada um deles. Depois, em «Artistas de A-Z», apresentam-se as histórias da vida de muitos outros músicos, vocalistas, compositores, arranjadores, chefes de orquestra e produtores importantes. A secção de referências, bastante abrangente, inclui informação sobre os instrumentos do jazz e do blues, uma extensa lista de artistas, um glossário e bibliografia complementar sugerida.

Sobre a obra, recomenda-se também este artigo de Rui Branco.

dezembro 11, 2006

em português nos entendemos

Frequentemente. Ao fim da tarde.
Pessoal e Transmissível, de Carlos Vaz Marques. Na telefonia sem fios.
O separador, com música de Pat Metheny, dá o mote para o início da descompressão de mais um dia de trabalho. Que por vezes obriga a ficar dentro do carro mais um pouco, porque há conversas que não se deixam a meio...



Algumas dessas conversas, que atravessaram o Atlântico , escorreram agora para as páginas de um livro com música lá dentro.
Conversas com Buarque, Caetano, Betânia.. e violão.

No lançamento do livro, na Fnac, um dueto de peso: Camané e Mário Laginha interpretaram 4 temas de MPB. O Camané que me desculpe - que até gosto muito dele - mas não soa nada bem em português do Brasil. Parece o Herman José a cantar Carmen Miranda.

Publicado originalmente no Luminescências.